Especialistas falam sobre os distúrbios causados pelo vício em tecnologia

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Celulares, tablets, computadores e videogames portáteis, enfim, um verdadeiro mundo de equipamentos eletrônicos invadiu, nos últimos 20 anos, a vida cotidiana. Na carona desses gadgets, como também são conhecidos, surgiram novos termos, expressões e padrões de comportamento. Com a internet, estar online é fazer parte de um mundo virtual no qual a interação é a palavra de ordem. Quando bem dosado, o uso dos eletrônicos não traz riscos à saúde. Porém, quando a dependência dos aparatos tecnológicos já se torna evidente, é preciso ficar atento. Mas quais são os sinais que devemos ficar atentos?

Conforme explica a psicóloga Dora Sampaio Góes, do Grupo de Dependência de Internet do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), não é só o tempo gasto com os aparelhos eletrônicos que deve ser levado em conta, apesar de ser um fator importante, segundo ela, mas sim em que contextos esses equipamentos são utilizados. “A tecnologia prende a nossa atenção de tal forma que acabamos por ficar desconectados do mundo a nossa volta. Isso, muitas vezes, deve ser levado em consideração mais do que o fator tempo em si”, alerta a especialista.

No caso dos adolescentes, a psicóloga aconselha o período de duas horas por dia para o uso da internet como sendo o mais recomendado. “Apesar de o tempo de duas horas não ser nada para a garotada nessa faixa etária, é preciso lembrar que existem outras tarefas ao longo do dia, como ir à escola, fazer a lição de casa, praticar esportes, entre outras coisas”, lista Dora.

A psicóloga explica que os adolescentes são atraídos pela interação que a tecnologia promove. Além disso, ela conta que é nessa fase que os jovens estão buscando se socializar mais. “Na adolescência, o grupo social passa a ser uma referência muito forte. Como esses jovens não têm autonomia para sair de casa, a tecnologia faz com que eles possam ficar conectados uns com os outros”, ressalta.

Mas a partir de que momento a pessoa pode ser considerada “viciada” em tecnologia? Nesse caso, Dora destaca que isso acontece quando o uso excessivo das tecnologias podem trazer algum tipo de risco à vida social, como ir mal nos estudos; diminuir o rendimento no trabalho, aumentando, assim, as chances de ser mandado embora do emprego; entre outras situações. “Ou seja, é quando a pessoa começa a deixar de fazer coisas da sua vida para ficar com a tecnologia, e isso inclui desde ficar sem ver os amigos até mesmo evitar de sair com o parceiro”, aponta

Com relação aos jogos, Dora explica que muitos deles são desenvolvidos com objetivos curtos, o que, segundo ela, é muito viciante para a população jovem. “A pessoa fica dependente da sensação que tem ao jogar, pois são produzidos neurotransmissores que dão a sensação de bem-estar e euforia. Em oito minutos jogando, por exemplo, o corpo já produz dopamina, a mesma substância do prazer produzida quando comemos chocolate. E isso é viciante. Ou seja, não é a tecnologia, mas sim o que eu sinto quando entro em contato com ela”, detalha.

As consequências da exposição prolongada às parafernalhas eletrônicas podem ser muitas, de físicas a psicológicas. Para se ter uma ideia, mesmo que ainda não comprovada, o contato excessivo com a tecnologia pode provocar depressão, transtorno obsessivo compulsivo (TOC), transtorno bipolar do humor, fobia social, além de déficit de atenção e hiperatividade. “Já as consequências físicas são oriundas da falta de praticar esportes; da alimentação errada, já que muitas vezes a pessoa nem vê o que está comendo, pois fica de olho vidrado na tela; e da higiêne, que fica prejudicada. Pessoas que têm propensão a problemas de vascularização devem ficar atentas também. Ou seja, o mais grave é a pessoa se largar”, ressalta a especialista.

Casos extremos de uso excessivo de tecnologia já acabaram em tragédia. Em 2012, um jovem de 18 anos, de Taiwan, morreu ao jogar videogame ininterruptamente por cerca de 40 horas, sem parar, até mesmo, para comer, notícia que ganhou o mundo à época. Outros casos semelhantes também já foram noticiados pela imprensa, chamando a atenção para os limites quanto ao uso dos aparelhos eletrônicos. Além dos jogos, o acesso à internet, feita hoje em grande parte por dispositivos móveis, como os celulares e os tablets, também vem sendo apontado como responsável pelo uso demasiado da tecnologia.

Mas como é possível identificar, realmente, quando uma pessoa precisa de tratamento no que tange o uso dos eletrônicos? O médico Rubens Luis Folchini, psiquiatra do Núcleo de Medicina Psicossomática e Psiquiatria (NMPP), do Hospital Israelita Albert Einstein, explica que um indivíduo passa a precisar de ajuda quando o uso da tecnologia se torna algo patológico. Ou seja, a pessoa passa a utilizar a tecnologia, apontada por ele como sendo o uso de internet, jogos eletrônico e de smartphones, de forma compulsiva e repetitiva para além das necessidades do trabalho, ou do entretenimento.

O médico aponta alguns sintomas que devem ser vistos com atenção. “Há piora no rendimento escolar, ou no trabalho, isolamento social e conflitos familiares. Além disso, observam-se, também, elementos de tolerância e abstinência, caracterizados, principalmente, por alterações de humor, como irritabilidade, ou exacerbação ansiosa quando não se está em uso tecnológico”, alerta o especialista.

Além desses sintomas, a psicóloga Sylvia Van Enck, do Grupo de Dependências Tecnológicas do Programa Integrado dos Transtornos do Impulso (Pro-Amiti), pertencente ao Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), ressalta que muitas pessoas, no caso do uso da internet, mentem com relação à quantidade de tempo que ficam conectadas. “Soma-se a isso a necessidade de aumentar o tempo de conexão para obter a mesma satisfação; o descumprimento das horas de sono e das refeições; além da vida familiar, social, escolar e profissional, que fica comprometida, refletindo negativamente no desempenho das tarefas, podendo ocasionar depressão e outros problemas de saúde”, ressalta a psicóloga.

Entre os tipos de distúrbios relativos ao uso das tecnologias, Rubens destaca o uso abusivo, a dependência, além do agravamento de outros transtornos. Ele explica que o uso abusivo consiste no prejuízo social e na compulsão para o consumo da tecnologia. Já a dependência é o uso abusivo junto ao fenômeno de tolerância e da abstinência. “Também pode acontecer, como agravante de outros transtornos psiquiátricos, transtornos psicóticos que têm seus sintomas amplificados pela relação que o indivíduo desenvolve com a tecnologia, incluindo delírios de perseguição com conteúdo de monitorização, ou vigilância tecnológica, ou piora de funcionamentos de personalidade, em que a pessoa tende a ficar mais retraída socialmente”, lista o médico.

Rubens destaca que, geralmente, o tratamento é realizado de forma individualizada, por meio da análise do padrão de uso da tecnologia feito pelo paciente, buscando sensibilizar o indivíduo sobre o problema, que muitas vezes só é claro para os familiares. “Mostra-se ao paciente o prejuízo social, a desregulação do ciclo do sono, a má alimentação, a ansiedade social desenvolvida e os sintomas de abstinência. A partir daí, o jovem, faixa etária mais comumente acometida, é motivado a se engajar no tratamento por meio de entrevistas motivacionais e de sensibilização”, detalha o especialista, ressaltando que o envolvimento da família é importante no tratamento.

Sylvia destaca que no Grupo de Dependências Tecnológicas, do Pro-Amiti, o processo de atendimento aos adultos prevê acompanhamento médico e psicológico. O tratamento cognitivo é desenvolvido em grupos de oito pessoas, em média, pelo período de 18 semanas consecutivas. “A proposta de atendimento psicológico segue a abordagem da terapia cognitiva. Paralelamente, segue o acompanhamento do médico em todo processo. Vale ressaltar que na etapa preliminar da avaliação clínica, o médico psiquiatra avaliará a necessidade de terapêutica medicamentosa, acompanhando, independentemente da prescrição, a evolução do paciente. Desenvolvemos também com os pais de adolescentes e jovens uma proposta de reuniões quinzenais, nas quais são abordados aspectos relativos às implicações do uso abusivo da tecnologia por parte de seus filhos”, destaca.

Com relação à cura da dependência da tecnologia, o médico explica que esse conceito ainda é controverso. Ele lembra que as taxas de sucesso terapêutico são baseadas no tempo de abstinência do uso da tecnologia e no número de recaídas, havendo, então, controle do problema. “No entanto, com enfoque na tecnologia, tratando-se de uma população predominantemente jovem e com a personalidade em desenvolvimento, a partir do momento em que se consegue o reestabelecimento de um uso moderado e saudável, e isso passa a constituir um comportamento duradouro, vislumbra-se sim a perspectiva de cura”, afirma o psiquiátra.